Novo texto assinado por Cristiano Hoppe Navarro traz conceitos e informações curiosas

O que é criatividade? Quais são as características da criação? Como se dá o processo criativo? As respostas para essas e outras questões estão no segundo texto sobre criatividade que integra a Série Esporte, Saúde e Lazer. Embarque nessa leitura e entenda mais sobre esse valor que, desde sempre, move a humanidade.
Leia o texto anterior aqui.
Teorias
1. Eureka é o passado em grego do verbo infinitivo heuriskéin, significando “Descobri!”. Virou interjeição graças à história de Arquimedes de Siracusa, desafiado pelo rei Hierão a comprovar sua suspeita: o seu ourives misturara prata ao ouro de sua coroa, para baratear os custos. Ao analisar o problema numa banheira, o matemático se deu conta de que a água subiu quando ele entrou e que ele estava mais leve à medida que o corpo afundava. Como a prata é menos densa, pesava menos na água que o ouro puro. Diz-se que Arquimedes saiu às ruas nu, gritando “Eureka!”.
2. Novidade e valor (ou originalidade e adequação). São essas as características consensuais para a criatividade. Além disso, há sempre um indivíduo, um domínio (a área na qual se cria) e um campo (pessoas estabelecidas no domínio a legitimar ou não a criação). Os quatro P’s ou os cinco A’s também explicam os elementos envolvidos. São a pessoa, o processo, o produto e as pressões. Ou, pela sequência, o ator, a ação, o artefato e, equivalendo às pressões, a audiência e as “affordances” (oportunidades).

3. Podemos distinguir três reações comuns à um produto, ou artefato, criativo: o ah, o ahá e o haha. A primeira onomatopeia é uma expressão de satisfação estética na arte, como quando contemplamos a “Mona Lisa”. A segunda está mais relacionada à resolução racional de problemas na ciência e na engenharia, como Isaac Newton ao decifrar a lei da gravitação universal. A última tem origem na surpresa, como a provocada pelos humoristas, vide a eleita melhor piada do mundo:
Dois caçadores estão em um bosque, quando um deles desmaia. Ele parece não estar respirando e seus olhos estão vidrados. O outro caçador pega o telefone e liga para a emergência: “Meu amigo está morto! O que faço?”. O atendente responde: “Calma, eu te ajudo. Primeiro, temos que ter certeza de que ele está morto”. Há um silêncio, e então um tiro é ouvido. De volta ao telefone, o cara diz: Pronto, e agora?”.
4. A neurociência é um dos domínios de pesquisa ascendentes, devido à avanços em tomografia e ressonância magnética. A neurocientista Carla Tieppo afirma que o hemisfério cerebral esquerdo lida com o conhecido e o direito com o novo, com facilidade em reconhecer padrões inéditos. Quando um objeto é conhecido pelo hemisfério esquerdo e retorna para o direito, dá-se liberdade para criar novas ideias e usos para si. Recentemente, a neurociência comprovou que metodologias de aprendizagem ativas (debater, colaborar, reinventar, perguntar, especular, associar, solucionar) são muito mais eficazes para o aprendizado e a criatividade do que o tradicional método no qual um professor fala e os alunos escutam e memorizam.

5. Alguns autores falam em quatro etapas do processo criativo: preparação, incubação, insight e verificação. Enquanto a primeira é em grande parte a absorção de “matéria-prima” e reflexão com a qual se possa fazer associações, a última é quando a ideia é submetida ao teste de validação do campo: a hora de checar se ela funciona. O insight é a manifestação de uma ou várias ideias: a iluminação do momento Eureka. Essas fases não são necessariamente lineares, interagindo entre si de maneira complexa.
6. O estágio de incubação é inconsciente. Dar tempo ao tempo é a base para a filosofia de Domenico De Masi, o ócio criativo, que, antes do que fazer nada, significa permitir-se praticar hobbies e atividades que agucem a criatividade. Goswami chama de “fazer-ser-fazer-ser-fazer” o entrejogo do consciente e inconsciente, em referência ao “Do be do be do” de Frank Sinatra. As ideias que surgem em sonhos são outra evidência desse processamento inconsciente. O químico Friedrich Kekulé sonhou com uma serpente agarrando a própria cauda, que o inspirou a prever a forma de anel da molécula do benzeno.
7. O aleatório tem também seu papel, mas é preciso estar em movimento para dele se beneficiar: a sorte é diretamente proporcional ao trabalho. Alexander Fleming descobriu a penicilina acidentalmente em 1928. O médico saiu de férias esquecendo na sua mesa culturas de bactérias que pesquisava e, ao voltar, viu que elas estavam contaminadas por mofo. O bolor, do gênero Penicillium, continha uma substância capaz de matar bactérias como as estafilococos, que salvou milhares de vidas.
Diversidade

8. Poderia Albert Einstein ter escrito Dom Quixote, Miguel de Cervantes ter driblado Mazurkiewicz sem a bola e Pelé proposto a Teoria da Relatividade Especial?
Uma discussão entre os pesquisadores é se a criatividade é ou não específica de um domínio. Existem pessoas que alcançaram grandes realizações criativas em mais de um domínio, os chamados polímatas, como Aristóteles, Leonardo da Vinci e – quem sabe nos anos recentes – Steve Jobs. Hoje, essas pessoas voltam a ser valorizadas, com o generalismo novamente em alta frente à especialização. Além de resolver questões planetárias como o aquecimento global, esforços transdisciplinares, misturando domínios, são mais aptos a produzir inovações.

9. A inteligência divergente é um dos componentes mais importantes da criatividade. Ao contrário da inteligência convergente (encontrar A resposta), é a capacidade de criar várias respostas diferentes. Ellis Torrance, o pai das pesquisas em criatividade, já investigava essa habilidade nas primeiras avaliações elaboradas para medi-la.
10. Imagine uma sala de aula com Santos Dumont, Clarice Lispector, Stephen Hawking, Lady Gaga, o casal Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, Barack Obama, Chico Mendes e Marta. As inteligências espacial, linguística, lógico-matemática, musical, intrapessoal e existencial (sob dúvida), interpessoal, naturalista e corporal-cinestésica são inteligências múltiplas listadas pelo psicólogo educacional Howard Gardner. Uma vez que, como disse Einstein, “criatividade é a inteligência se divertindo”, podemos falar também em criatividades múltiplas. No próximo artigo vamos abordar a criatividade corporal, principalmente no esporte. Eureka!
Criativo, Cristiano Hoppe Navarro é idealizador do futmanobol, esporte que mescla modalidades como futebol, basquete e vôlei. O autor é graduado em educação física e jornalismo e mestrando na Faculdade de Educação (FE).